Pensando em Ildefonso Werner…
Festividades da pedra fundamental da Santa Casa de Misericórdia de Londrina, 1.940
Em janeiro de 1.939. procedente de Pederneiras (S.P.), pelo trem de passageiros da Estrada de Ferro São Paulo – Paraná, que se apanhava em Ourinhos, chegava a família de Ildefonso Werner, naquela época constituída pela sua esposa, três filhos e a sua sogra.
O intenso calor de janeiro, a poeira da terra roxa e a chuva torrencial do fim da tarde receberam o sexteto, que se alojou na pensão do Sr. Antônio Valença, e, dias depois, na pequena casa de tijolos, ainda existente ao lado do estacionamento Bradesco, da rua Pernambuco.
Tudo era novidade e tudo impressionava os imigrantes. A densa floresta logo abaixo da ferrovia e a revoada matutina e vespertina das aves silvestres, a todos deslumbrava. As ruas em declive, cheias de valetas, eram aqui e acolá, ligadas pelas pinguelas de troncos e vigas diretamente aos portões das residências de madeira, cujas propriedades eram cercadas por balaustres de poroba.
Quando chovia, os automóveis e caminhões, para não ficarem atolados, adaptavam redes de correntes de aço nas rodas traseiras. As pessoas que se aventuravam a sair de casa para o trabalho ou às compras, precisavam agarrar-se aos balaustres, e iam ao chão, facilmente, ao pisarem nos “cocurutos” de barro meio endurecidos, mas lisos como o sabão.
As variedades até com sofisticação dos “limpa-pés” de madeira e ferro à entrada das casas, serviam para indicar o nível sócio-cultural dos seus ocupantes.
A luz pública acabava às 10 horas da noite, quando os geradores eram desligados e as lâmpadas, enquanto acesas, pareciam “tomates” dependurados. Não haviam o conforto dos eletrodomésticos, e levou tempo para a primeira usina hidrelétrica da Empresa Elétrica de Londrina começar a funcionar.
A poeira fina e penetrante deixava sua marca em tudo, e, os viajantes comerciais que usavam “jardineiras” abertas da Garcia, se sobrevestiam de compridos “guarda-pós”, lenços no pescoço e chapéus para se protegerem nas estradas poeirentas e, quando nos trens, para evitar as fagulhas e o carvão espalhados pelas locomotivas “maria-fumaça”.
Os lances e devaneios que foram citados, que só a lembrança dos pioneiros é capaz de resgatar, impulsionava-os à luta, sem esmorecer, porque, afinal de contas já estavam na nova Canaã, como apregoava a propaganda da Companhia de Terras Norte do Paraná (Brasil – Plantations). Ildefonso Werner (09-01-1.903), foi o quarto dos onze filhos de Joaquim Carlos Wener e Catharina Clara Heringer Werner e tinha 36 anos quando chegou a Londrina. Mineiro de Alto Jequitibá (ex. Presidente Soares (MG), era desportista nato e fanático por futebol. Em 1.927, no final de seu curso de Farmácia, em Leopoldina, foi acometido de séria enfermidade, seguida de quatro cirurgias que o levaram a grave deficiência física, com a perda total de sua perna esquerda.
Alto, loiro, grandes olhos azuis tranquilos e serenos, Ildefonso não se abateu. Casou-se aos 27 anos com a prendada professorinha Ruth Emmerick, de 20 anos, começando sua vida profissional de farmacêutico, professor de Química, Física e História Natural, acumulando também as funções de diretor do Internato Masculino do conceituado Ginásio Evangélico de Alto Jequitibá. Dotado de espírito alegre, jovial, era treinador esportivo do Colégio, jogava com os alunos, apesar das muletas, e apitava os jogos de futebol, a todos impressionava pela sua vitalidade e amor à vida.
Depois do quebra-quebra do final dos anos 20 e da revolução de 1.930, muitos mineiros deixaram as terras montanhosas próximas da Terra do Caparaó, em direção a São Paulo e principalmente para o norte do Paraná. O farmacêutico e professor que a tudo assistia, nutria sonhos.
Em dezembro de 1.936, Ildefonso, aos 34 anos, deixou seu torrão natal e sua parentela, foi para o interior de São Paulo, Pederneiras, a convite de seu cunhado Reverendo Nathanael Emmerick, onde, com a sua esposa Ruth e líderes locais, fundaram o Ginásio Municipal de Pederneiras. Ali permaneceu até o final de 1.938, pois Londrina passara a ser o seu objetivo de realização pessoal e profissional.
Com muita vontade de vencer, pouco dinheiro, desfrutando a amizade de muitos conterrâneos e um bom crédito na praça, Ildefonso instalou em março de 1.939 a Pharmacia Cruzeiro (do Sul), nome simplificado para Cruzeiro, na rua Maranhão, 365, vizinho da família Piccinin e depois na rua Sergipe, esquina com Mato Grosso, no sobrado do Sr. Camen G. Panof.
Sua família aumentou com mais dois paranaenses, chegando aos cinco filhos. A segunda grande guerra mundial (1.939 – 1.945), afetou muito o ramo farmacêutico. A manipulação dos medicamentos nos aparelhados laboratórios das farmácias dependia dos produtos químicos provenientes dos grandes países beligerantes e as poucas fontes alternativas, dificultavam muito o bom exercício profissional. Foram anos de incertezas, racionamento de alimentos e combustíveis e também repressão no “Estado Novo” de Vargas.
Ildefonso, profissional competente e criterioso cultivou a amizade dos colegas farmacêuticos da cidade, vários deles ainda vivos, o Luiz Franscisconi, o Luiz Attab e outros: Pedro Nolesco, Orestes Pullin, José Schietti e Daniel Gomes Leme, que deixaram os seus descendentes por aqui, honrando os seus nomes.
Ildefonso era evangélico da Igreja Presbiteriana do Brasil, onde exerceu o diaconato e o seu espírito cristão de amor ao próximo, encheu-se de entusiasmo ao participar das festividades da pedra fundamental da Santa Casa de Misericórdia de Londrina, onde ficou gravado numa foto do evento, em 1.940.
Em 1.941, quando o médico Dr. Jonas de Faria Castro fundava o Ginásio Londrinense, Ildefonso colaborou com o seu registro de professor no Ministério da Educação, na formação do primeiro corpo docente, como responsável por várias disciplinas constantes de seu currículo.
Profundamente piedoso, a sua atuação na Farmácia extrapolava a de seu simples boticário. Exercia ele um verdadeiro sacerdócio, não desprezando aqueles desfavorecidos que necessitavam de algum remédio.
Até hoje, 48 anos passados, ouve-se inúmeros depoimentos de muitas famílias que Ildefonso dedicadamente atendeu.
No ano de 1.947 os negócios iam melhorando, mas começaram a pesar os problemas com a sua saúde, que obrigaram Ildefonso a deixar a sua Farmácia na mão de terceiros, o que foi desastroso.
O “mal de Bright” com a insuficiência renal insidiosa, hipertensão arterial maligna e todo o seu cortejo sintomático foi minando a sua vida, durante nove longos meses de sofrimentos para ele e toda a sua família, até a sua morte, na noite do domingo 21 de dezembro de 1.947.
Os oito anos passados em Londrina foram vividos intensamente por Ildefonso e o testemunho de sua vida deixou marcas indeléveis em todos aqueles que com ele conviveram.
Sua fiel e dedicada esposa Ruth Emmerick Werner, seus filhos Wellington, Leila, Wesley, Ciro Noel e Verônica; seu genro Anuar Michel Matni e suas noras Maria José Tavares Werner, Maria Caldeira de Andrada Werner, Maria das Graças Fasano Werner e seus descendentes, cultuavam a memória desse homem, Ildefonso Werner, do qual auferem o intransferível privilégio de pertencerem ao seu clã.
O Dr. José Hosken de Novaes, ínclito advogado e político londrinense, amigo pessoal e vizinho de Ildefonso, que foi também o responsável pelo inventário dos minguados bens materiais deixados por ele, referia-se a Ildefonso Werner como “um homem bom e justo”.
Wellington
Fev/96
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